Ah, o Rock in Rio! Aquele pedaço de terra sagrada da música
antes rock, hoje pop, cercado de mangue por todos os lados e tapado por cima pelo Sol impiedoso. No sábado, dia do Show do Bruce Springsteen (show com “s”
maiúsculo mesmo), 37 graus sentavam sobre minha pele. As garotas de 16 anos e
fãs do John Mayer, já não se aguentando, ficavam num tira-e-põe de camisas, ou
apenas de top. Sim, para os rapazes aquilo era o céu na terra.
Mas
mesmo assim tinha gente lá pronta pra arrumar uma treta. E eles conseguiram.
Ninguém gosta de treta, mas o assunto é tão complexo que sim, a gente vai meter
os bedelhos no meio. Ninguém mandou querer, no inferno calorento da cidade do Rio
de Janeiro naquele sábado, se aboletar com uma camisa preta dos Ramones no meio
do palco principal.
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Hoje é dia de rock bebê (Foto: Osmar Portilho/ Terra) |
Começou com uma reportagem no mínimo corajosa e digna de fazer parte do TTT (Top
Ten Texts) de 2013. O repórter do Terra André Naddeo saiu pelo festival
entrevistando garotas (guardem bem essa última palavra) a andar com a
camisa da banda punk de Nova Iorque pelo festival. Estava lá também, e posso dizer que não faltou material pra entrevista do rapaz. Ao perguntar o nome do
vocalista (Joey Ramone) ou o nome de três álbuns (Ramones, End of the Century e
Mondo Bizarro pra falar alguns) às beldades que tomavam a grama sintética do festival, nenhuma delas soube responder – se soube, a
reportagem não quis deixar claro. A maioria respondeu com “ah, você me pegou” e
foram tachadas de “modinha”.
Isso
dividiu o mundo no meio. A maioria riu da perspicácia do autor. Outros já
relevavam essa causa há meses e meses. Já na outra ponta tinha gente pedindo
para fãs e repórter ir trocar umas lâmpadas ou cuidar de uma pia bem funda.
Teve inclusive esse texto, na qual parabenizo por conseguir pedir para que eu (leitor) parasse de ser
sexista - já que eram entrevistadas mulheres. Não estava sabendo de eu ser tão machista assim, por isso agradeço à autora do texto e, graças a isso, ele vai entrar com honras na nossa outra premiação, o TGT 2013 (Top Groselha Texts).
Aí depois pediram minha opinião. Justo a minha, conhecido por ser o cara mais chato e
fundamentalista no tal rock. Óbvio, pra mim o repórter têm razão demais.
Não precisa nem parar pra explicar tanto.
Música
é um elixir da humanidade. Rock então é religião. Pra muita gente deus não
existe, mas existe o Clapton ou o Iron Maiden ou o Slayer. Logo, usar uma
camisa de banda não significa apenas “entrar no espírito” ou simplesmente “pelo clima de show de rock”, como responderam algumas. Você adere à uma filosofia colocando o
pedaço de algodão estampado sobre o próprio torso.
Logo,
quando você vê um monte de pessoas com a camiseta dos Sex Pistols, por exemplo,
você vai julgá-la como uma sarcástica ao sistema. Uma do Pink Floyd como uma
pessoa mais centrada em questões existenciais. Ou uma do Pearl Jam como alguém
com seu nível de rebeldia controlada. A questão da ideologia pela qual falamos aqui independe da estética da banda, ou se o som é bom
ou não. A estampa lembra uma ideia na qual vocalistas, guitarristas bateristas e
baixistas levam uma vida pra compor. E pela qual você se identificou com ela.
E
aí, pra falar de não conhecer as músicas, ou quando Joey morreu (2001, de
câncer) e ainda pedir respeito é algo muito, mas muito contraditório. Sonhar pela camisa de banda seja vista apenas pela estampa é como usar uma
burca em praça pública apenas por ser bonita. Sim, você pode se sentir
confortável ali, ninguém pode interferir nisso. Mas os comentários, óbvio, vão
aparecer.
Qual escola vc matricularia seu filho? ( ) ramones ( ) GAP ( ) abercombrie ( ) hollister ( ) jack daniels
— joão egídio (@estranhous)
September 10, 2013
Eu uso
camisas de banda, tenho várias delas. A minha favorita é uma estampa de um cartaz de show do
Allman Brothers Band, uma banda de country americano dos anos 70. Gosto a ponto de, quando uma ficou gasta, arranjei outra. E, em três anos usando, nunca fui
parado uma vez pra discutir a qualidade da banda ou “ah, eu amo aquela
deles” ou simplesmente “pô, camisa legal”. A camisa mal tem cara de rock, porém nela incute o que a banda representa pra mim, ou me faz puxar na memória a primeira vez ouvindo os solos dela (agora escrevendo lembro que foi num Guitar Hero). Isso faz com que ela raramente fique na gaveta.
Fãs de
Iron Maiden espumam quando veem gente não tão conhecedora da "filosofia" com a camisa
da banda. Motörhead, Slayer e Guns n' Roses também fazem a camada “old school”
terem calafrios. Mas talvez nada supere os Beatles. Tente fazer um teste e
perguntar pro primeiro a aparecer com a camisa na sua frente, perguntas simples tais como
“qual o primeiro álbum da banda? (R: Please Please Me) ou “como ela se chamava antes de ser Beatles? (R: The Quarrymen)”.
Se você for especialista no grupo,
vai espumar e, instantaneamente, entender a conclusão desse artigo: raramente alguém sabe, a camisa é um enfeite. Camisa de banda é como um
escapulário, um turbante, uma bandeira do seu time nas costas: primeiramente um
item estético, mas ainda sim a principal forma de você falar como se pensa
(tirando aquela forma menos ortodoxa que é sair gritando como um louco pela rua “OLHA COMO EU
AMO ISSO!”)
("Nossa, Guilherme, então se for assim eu vou ter de sair na rua questionando qual a HQ favorita do cara com a camisa do Lanterna Verde?" / Sim, e pergunta o que ele achou dessa mais nova pfvr).
*
A reportagem abriu um debate interessante: conseguiu tirar tamanhas opiniões de tão pouca coisa. A discussão existe,
faz tempo, e a resposta (quase) todo mundo concorda: camisetas de banda representam ideologias,
formas de vida, modos de pensar. Usar uma camisa do Ramones com um iPhone na
mão é para quem, no mínimo, curte umas contradições ou quer chamar a atenção (por qual causa nós não sabemos).
Mas
para as garotas (e garotos, sem sexismo nessa coisa de curtir bandas plmdds) e
para o repórter e para a crítica do repórter e para eu e você que perdemos
algum tempo e neurônios discutindo essa questão, eu trago a resposta deste problema: na rua de
trás de casa tem um terreno baldio, bem grandão mesmo, precisando de uma
carpinada. Bora?