12 de junho de 2013

Personagem antissocial salva um enredo despedaçado


Oi, meu povo lindo!

Sei que dei uma sumidinha, mas final de semestre na faculdade, trabalho, Iniciação Científica... Vixe. Peço desculpas por isso.

Enfim, primeiramente, Feliz Dia dos Namorados! Abracem e beijem muito seus amores. E para quem é solteiro, vale a mesma dica.

Aproveitando esta intensidade do amor (haha), vamos abordar de um livro que mexe com as emoções - e até virou filme.



Ao abordar a palavra “Asperger” é possível que perguntem se é de comer. A síndrome é pouco conhecida e não há estudos que comprovem o porquê de alguns indivíduos apresentarem-na em seus jeitos de ser. Trata-se de um nível de autismo marcado por dificuldades em estabelecer relações sociais, tendência em trazer a qualquer conversa seus próprios valores e a não compreensão de sentidos abstratos. Ao falar a um asperger que está “verde de fome”, o mesmo pode encarar seu rosto e dizer que é mentira, uma vez que sua cor de pele não estará esverdeada.

Contudo, a síndrome constantemente é acompanhada de uma extensa memória para dados e datas, além de habilidades superiores em áreas de interesse excêntrico do portador, principalmente lógica, matemática e... Computação. E este é considerado o superpoder de Lisbeth Salander, a hacker protagonista da Trilogia Millenium.

 “Os Homens que Não Amavam as Mulheres”, primeiro livro da série, é capaz de instigar os leitores a viajar com uma personagem tão intrigante. Vista por uns como doente e por outros como antissocial e violenta, seu temperamento forte e aparência chamativa camuflam o talento como investigadora de uma reconhecida empresa de segurança. Seu chefe concede-lhe as mais árduas tarefas, já que sabe que ela é capaz de descobrir segredos ocultos em códigos digitais.

Uma pálida e anoréxica, jovem, com cabelo curto e bagunçado, e de piercings no nariz e na sobrancelha. Tinha uma tatuagem de vespa no pescoço, uma tatuagem de laço em volta do bíceps do braço esquerdo e outro no seu tornozelo esquerdo. Quando usava camiseta regata era possível ver parte de sua tatuagem de dragão pelo ombro esquerdo”. Assim é a primeira aparição da moça – que marca até a bela capa do livro em que há o desenho de um dragão em laranja queimando e também a versão em inglês da obra, intitulada de “The Girl with the Dragon Tattoo”.

Alvo de preconceitos e atos violentos por conta do modo de se trajar e comportar, a personagem-chave tenta despertar o medo naqueles que a cercam como fonte para impor respeito. Em meio a ataques com sprays de pimenta, golpes de boxe e pistolas elétricas, Lisbeth Salander acha-se preparada para toda e qualquer situação. Ao longo da trama percebe que não é capaz de administrar todos os fenômenos à sua volta, o que desperta o foco do leitor para saber como a personagem lidará com situações que fogem de suas mãos



Início feito para bocejos

Stieg Larsson inspira-se em Pippi Meialonga, personagem que dá título à série de livros infanto-juvenis da autora sueca Astrid Lindgren, para moldar Lisbeth. A construção da protagonista que mescla inocência infantil com dificuldades de ser adulta faz com que o livro tenha um ritmo parado e cansativo até sua aparição. O outro personagem-protagonista da série, Mikael Blomkvist, apresentado desde as primeiras das mais de 500 páginas do livro, é entediante até o momento em que seu enredo é amarrado com a da poderosa hacker.

O livro intercala a vida de Mikael e Lisbeth. Em grande parte, seus dramas são abordados de forma separada. Ele, editor-chefe da revista Millennium – que dá nome à trilogia de Larsson -, veículo que desmascara escândalos relacionados a finanças. Ela, uma moça de aparência punk e com problemas relacionados à tutela e que prepara um dossiê sobre a vida de Blomkvist a um dos clientes da empresa que atua.

A obra abre-se em um prólogo sobre um senhor que recebe quadros com plantas secas em seus aniversários porém, não se sabe o remetente. A trama então já forma um ponto de interrogação na mente dos leitores. Se havia o pressuposto de que logo tal questionamento seria respondido, estávamos enganados. “Os Homens que Não Amavam as Mulheres” preocupa-se em detalhar minuciosamente as peculiaridades de cada personagem apresentado. O desfecho do prólogo – aliás, de todo o enredo em si – compõem pouco espaço do livro e apenas suas páginas finais.

Pós-prólogo, segue a narrativa com Mikael Blomkvist sendo declarado culpado no caso de difamação de Hans-Erik Wenneström, importante personalidade sueca. O texto se prende em abordar passo a passo do afastamento de Mikael pela revista e retoma conversas passadas do jornalista. É um vai-e-vem de presente e pretérito que chega a fazer com que a leitura por muitas vezes mereça uma pausa para bocejos.



Quebra de enredo

Complicada a situação em definir “Os Homens que não Amavam as Mulheres” como uma história. É mais correto denominá-lo como trama. A obra mistura diferentes situações que, quando combinadas, culminam na evolução de fatos sobre mulheres violentadas sexualmente na Suécia. Isso não é perceptível de início, mas cada ponte estabelecida textualmente mostra uma ligação com abusos no país.

Uma das passagens que marcam pulos narrativos da trama é que, após demonstrar todo o caso de Blomkvist e os processos dos quais é acusado, eis que ele é convocado por Henrik Vanger, patriarca de um clã e industrial aposentado, para averiguar o desaparecimento de sua sobrinha que ocorreu há 36 anos. Com a desconfiança de que alguém de sua família a assassinou, o jornalista deverá escrever sua biografia, o que dá a desculpa ideal para entrevistar demais parentes. A partir deste caso, a obra passa a obter um ritmo de leitura mais dinâmico.

A falha fica por conta da execução narrativa. Como autor, Stieg Larsson investe em laudas e mais laudas para debater o dilema moral de Blomkvist ao início do livro. Não deixa de ser um aspecto original ao não dar continuidade ao prólogo logo de cara, mas a quebra do clímax presenciado no prólogo é frustante, causando desinteresse pelo personagem apresentado depois – Blomkvist. 

Parece que Larsson inicia um novo rascunho da obra e a trama segue a um novo enredo, relacionado com a investigação do crime da família Vanger. Perde-se a linha de raciocínio. Não se encontra correlações entre o prólogo, as acusações judiciais do caso Wenneström contra o jornalista e a menina que evaporou do mapa há quase quatro décadas – esta última abordagem ganha dois epílogos em meio ao livro, o que deixa as ligações da trama ainda mais confusas.

Somente quando próximo às páginas finais do livro o casal protagonista – Mikael e Lisbeth - se une para desvendar o estranho sumiço de Harriet Vanger juntos. Com isso o leitor compreende que as histórias têm nexo entre si nos 45 minutos do segundo tempo de jogo literário.

A grande família

Recheado de dados, “Os Homens que não Amavam as Mulheres” apresenta a família Vanger com parentes numerosos, cada qual com suas peculiaridades. Isso exige que o leitor volte constantemente para a página que apresenta uma árvore genealógica para relembrar quem é filho de quem e qual a relação entre os personagens. São tantos nomes a decorar que seria necessário abordar todos os níveis de parentesco de cada novo membro apresentado.

Os Vangers constituem uma história de conteúdo pesado, retratando variadas formas de opressão às mulheres. Os dados reais apontados pelo autor sobre este tipo de violência na Suécia são chocantes. Isso causa o questionamento da trama relatada no decorrer do livro ter possibilidades de ser real. É assustador, mas fascinante por nos levar aos costumes e circuito de verdades no país.



O silêncio final

Stieg Larsson lança em “O Homem que não Amava as Mulheres” um furacão ao leitor logo no início da leitura. É preciso encontrar a ordem dos fatores diante ao caos de informações repassadas e que não parecem ter ligações. Só que é exatamente neste fator que se constrói um ponto positivo à obra: o incrível final, capaz de alinhar todas as ideias avoadas até então.

Ao terminar o livro, o leitor imerge no silêncio enquanto processa toda a trama em sua cabeça. O interessante não é a construção do enredo em si, mas o modo como a violência contra as mulheres é abordada em uma linguagem nua e crua.

O romance policial enche-se de investigações que se desconectam e depois formam um elo. Apesar da taxa de leitura tornar-se lenta no início da narrativa, ao final dela é improvável não formular hipóteses sobre o que ocorreu com a desaparecida Harriet Vanger. Aquela famosa fórmula de “quem matou?” sempre dá certo. 

Mas o livro torna-se recomendável permitir ao leitor se deliciar com as peculiaridades dos personagens, principalmente de Lisbeth Salander, protagonista pela qual se cria uma empatia desde seus primeiros traços retratados.

Autor

A trilogia Millenium foi escrita pelo sueco Stieg Larsson antes mesmo de ser lançada. O escritor faleceu em 2004, aos 50 anos, vítima de um ataque cardíaco. Os livros foram disponibilizados na Suécia entre 2005 e 2009, alcançando mais de 60 milhões de cópias vendidas em 50 países.

“Os Homens que Não Amavam as Mulheres” transformou-se em longa-metragem na Suécia e logo foi readaptado em Hollywood, com o ator Daniel Craig (atual James Bond no filme “007”) no papel do protagonista.

Stieg Larsson trabalhou na agência de notícias TT e é coautor de “Extremhögern”, livro sobre a extrema direita sueca, e teve forte atuação na luta por direitos humanos, o que fez com que sua carreira profissional fosse marcada por diversas ameaças de morte.

Por ser jornalista e fundar uma revista que denuncia organizações neofascistas e racistas – chamada Expo -, críticos abordam que o personagem Mikael Blomkvist seria o alterego de Larsson. Será?


OS HOMENS QUE NÃO AMAVAM AS MULHERES
Autor: Stieg Larsson
Editora: Companhia das Letras:
Ano: 2005
Páginas: 524
R$ 28,30 (Livraria Saraiva)






Para quem ficou curioso, confere aí o trailer da versão cinematográfica:








Por: Tatiane Gonsales
De: São Paulo - SP
Email: tatiane@revistafriday.com.br

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