10 de setembro de 2013

Jobs e a (provavelmente) resenha de filme mais estranha que você já viu

            Masturbação.
            Ok, eu sei. Você viu o título e o subtítulo e pensou sobre uma crítica comum ao filme sobre o criador da Apple Inc., que estreou esse final-de-semana, não o culpo. Mas, já que você está aqui persistindo em ler este texto, vamos ser claros: como este filme estreia no chamado Dia do Sexo, não é de se surpreender que o filme estrelado por Ashton Kutcher tenha tantas semelhanças com a nossa conhecida “bronha”. Se você ainda teima em não acreditar – mas persiste em ler – sente-se aí que a explicação é simples:

O rei dos fast-foods, Steve Bobs. (Reprodução)

            Como a masturbação, o filme Jobs é para ser visto mais quando você não têm mais alternativas para fazer. Na sala meio-cheia que acompanhamos o filme, muitos ouviam músicas em celulares de tela sensível ao toque. A Steve, eles devem dupla reverência. Como estamos imersos num universo dominado pela Apple, com bugigangas e mais bugigangas com uma maçã mordida – mas que podem chegar a custar mais que uma tonelada da fruta – o filme surge como uma alternativa de visão do gênio inventor da série “i” e de um monte de tranqueiras bonitinhas que te dão mais status social do que algo útil na sua vida.
            A segunda semelhança é que, tanto na produção quanto no “ato”, depois de algum tempo a magia passa e a coisa vai é ficando maçante pra cassete. O filme começa em 2001, com um personagem-título que apresenta sua (mais nova) obra-prima: o iPod, tocador de música que revolucionou toda diversos setores da indústria tecnológica e musical. A partir daí a narrativa volta a partir de 1975, contando o nascimento de sua principal empresa - já que ele fundou a NeXT Computer nos anos 90, que quase não é citada. Com 2 horas e 7 minutos, o filme se alonga em uma história que, por ser genérica demais, caberia em uma hora e meia ou menos.
            A terceira e principal característica que pode unir o filme ao nosso assunto “onanismo” é que ambos baseiam-se em fantasias da vida real. Olha só: tem gente que fecha os olhos e fica feliz em ver a Maitê Proença nua. Uma parte dessa ideia é real (a Maitê existe mesmo) e a outra é pura fantasia ou falta de dados (normalmente a Maitê, ou a Sasha Grey ou seja lá quem for não costumam dar uma canja ao vivo assim que se abre os olhos).
            E é mais ou menos assim que se baseia toda a trama dirigida por Joshua Stern: uma ficção. Não se pode culpar o orçamento pequeno para os padrões hollywoodianos, coisa de 12 milhões de dólares. É louvável o esforço de fotografia, trilha sonora e mesmo dos personagens – Ashton Kutcher realmente se parece demais com Steve em todas as fases da vida e Josh Gad transpira a simpatia do ainda vivo Steve Wozniak, primeiro parceiro de Jobs. Ainda assim, o longa mais se assemelha a uma palestra motivacional do que a uma cinebiografia. O objetivo em algumas tomadas é mostrar mais o espírito negociador do protagonista do que os feitos em si. Sua capacidade de barganha, manipulação e retórica o tornaria mais invencível num negócio que um vendedor do quiosque da Chilli Beans; sua habilidade em tomar dinheiro de amigos, a de destruir projetos de funcionários e de toma-las para si caso fosse algo inovador o tornariam uma versão moderna do também americano Thomas Edison.
Foi Edison, por exemplo, quem comprou uma máquina de projeção francesa e a patenteou em solo americano, sendo o inventor “moral” do cinema para os ianques. Um exemplo crasso de roubo intelectual. Até hoje rondam boatos de que muitas das invenções da empresa da maçã sofreram o mesmo processo, por culpa de um chefe que era autoritário e que não conseguia ser comandado. Mas essas cenas, no filme, causam apenas risadas abafadas da plateia.
À esquerda, Ashton ao lado do Jobs original.
Esforço do ator foi notável (Reprodução)
Logo, o que parece ficar do filme são as lições de moral, as frases de efeito de Jobs que você pode ler em qualquer página de frases do Facebook – ou na próxima edição da Você S/A. A fantasia alcança o auge da disparidade em três momentos: Bill Gates, grande nêmese da turma de Cupertino, é citado em apenas uma discussão por telefone, sem aparecer ou ter uma voz (e o nome Microsoft apenas pisca na tela por uma fração de segundo). O filme oculta, por exemplo, os embates e encontros históricos de ambos, ou que a empresa de Gates comprou 40% das ações da rival para que Jobs voltasse ao cargo de chefe em 1996.
A segunda é a relação de Steve com sua filha, Lisa Brennan-Jobs. A fantasia aqui é tão descabida quanto imaginar uma vovó vestida de Tiazinha. O caso quase destruiu a carreira do empresário e o tirou do sério de uma maneira descomunal. Mas no filme a reação dele, apesar de explosiva, é mais moderada do que a demonstrada contra o chefe de acionistas da empresa. E olha que o chefe nem filho seu era...
A terceira passou aos meus olhos num momento de distração: ao mostrar como o CEO da Apple se uniu ao grupo que criaria o célebre Macintosh, no início de 1984, uma cena de um ou dois segundos é a síntese do filme todo: Jobs explica a um grupo de funcionários como sua ideia pode revolucionar o universo (ideia que ele repete de diferentes formas durante toda a história) sentado debaixo de uma árvore, vestido de branco, com todos sentados ao redor. Um sermão. Debaixo de uma árvore. Sobre como mudar o universo. Ou seja: Jobs é, sem dúvida, Jesus.
Por essas e outras o filme, com seus despautérios todos, me lembra a boa e velha punheta: 90% dele tenta te motivar; é baseado em ideias que em parte são válidas e, em outras, pura quimera. Não considerem o filme como um bom retrato do dito “inovador do século vinte e um”. Para isso existem tentativas melhores, como a biografia de Walter Isaacson ou mesmo o clássico filme Piratas do Vale do Silício, produzido em 1999 e facilmente encontrado para download. Mais preciso em fatos e com mais lados da história, Piratas entra melhor no clima informático da coisa, e não a dramatização que serve apenas para agradar os apple-maníacos, a religião mais chata e esnobe a pisar na face da Terra.
Mas sim, há uma diferença entre ambos: masturbação é muito bom.

 Abraços. 


(Drama, EUA, 2013, 127 min.)
Elenco: Ashton Kutcher, Dermot Mulroney, Josh Gad
Direção: Joshua Stern
Avaliação: ruim








Por: Guilherme Mendes
De: Carapicuíba - SP
Email: guilherme@revistafriday.com

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