Neste post, deixarei de lado as resenhas de livros, opiniões sobre os mesmos ou dicas de lançamentos que você deveria mergulhar e se deliciar.
Retratarei aqui uma cena da qual presenciei – e até tornei-me personagem.
Certa tarde fria, em plena Avenida Paulista, adentrei uma livraria. A famosa Livraria Cultura que encanta os leitores de plantão no coração da cidade de São Paulo.
Em meio a livros folheados, não pude deixar de ouvir uma conversa entre duas jovens.
- Ai. – disse a adolescente loira de aparentes 13 anos – Será que aqui tem algum livro de frases daquele Caio-Efe-ponto-Abreu?
- Aaaaaaai! – um gritinho do tipo “você está falando do meu ídolo gatinho” saiu da boca da outra menina, de idade similar, morena com os cabelos longos presos em um rabo-de-cavalo torto – Ele é um fofo, né?
- Tem várias páginas dele no Facebook. Não sei se há uma verdadeira, mas o que importa, tipo, é que ele é tão romântico! Eu me identifico demais com as palavras dele. Tipo, são lindas. É como se eu tivesse escrito para mostrar todas as minhas dores com meus ex-namorados...
- É demais, né, amiga? Ele devia ser tão apaixonado por sua mulher.
Espera aí. Mulheres? Está certo que certas páginas de alguns contos dele dá a entender que ele curtisse pessoas do sexo oposto. Mas o verdadeiro Caio Fernando de Abreu era conhecido por sua homossexualidade. Sua atração por homens. Homens.
Fiz questão de cutucá-las para ver até em que ponto conheciam o Caio, ícone famoso das redes sociais. O livro em minhas mãos foi colocado de volta à prateleira e recolhi “Morangos Mofados”, do autor que discutimos neste relato. Abri em uma página aleatória e não demorou muito para que as amigas-fãs-de-Caio-Efe-Abreu percebessem.
- Nossa, moça! Você curte o Caio Abreu também? – perguntou-me a loira.
- Marcante à nossa literatura, não acha? – respondi com outra questão.
- Ele bomba no Facebook, Tumblr e Twitter. Adoro as frases dele! – indagou a menina de cabelos morenos. – O que você está lendo?
- “Natureza Viva”, um trecho deste livro, “Morangos Mofados”. Quer ouvir? – perguntei.
- Claro!
Preparei-me e fui.
- “Desejarás desvendar palmo a palmo esse corpo que há tanto tempo supões, até que as palmas famintas de tuas mãos tenham percorrido todos os caminhos, até que tua língua tenha rompido todas as barreiras do medo e do nojo, tua boca voraz tenha bebido todos os líquidos, tuas narinas sugado todos os cheiros e, alquímico, os tenha transmutado num só, o teu e o dele, juntos - luz apagada, peças brancas de roupa cintilando, jogadas ao chão. Desejá-lo assim, a esse outro tão íntimo que às vezes julgas desnecessário dizer alguma coisa...”.
(Ufa, achei o trecho na internet.)
Antes de acabar, fui interrompida.
- Nossa, mas que selvagem. Isso é Caio Abreu mesmo? – questionou a loira.
Mostrei o nome no livro.
- Estranho! E “desejá-lo”? De quem ele está falando? Suas frases parecem tão românticas na internet e aqui, tão... estranhas! Sei lá, tipo, não parece ele. Ele parecia tão meigo. Sei lá. – falou a colega.
Apenas estiquei meus braços. A morena pegou o livro e o observava como se fosse um quebra-cabeça indecifrável... Depois de uns instantes, ela repôs o livro no lugar em que foi tirado: na prateleira.
- Não quero ler isso. Ele parece tão rude! Prefiro ficar com o Caio Abreu que conheço.
Rude. Há tempos não ouvia esta palavra.
As garotas se afastaram. Pareciam ter nojo da verdade que tentei revelar por trás do que sabiam de um – talvez falso ou parcial – Caio Fernando de Abreu.
Foram embora. Não quiseram descobrir nada além do que sabiam. O cara das redes sociais era legal. Mas o autor de livros era "rude".
Acho que o verdadeiro Caio se remexeu no caixão.
Por: Tatiane Gonsales
De: São Paulo - SP
Email:tatiane@revistafriday.com.br
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